“Um certo Pedro de Alcântara”, por Luciano Bueno Marques

Reza a lenda que um homem, de nome Pedro, vindo das bandas do Arraial de Nossa Senhora da Assumpção de Cabo Verde, cavalgava por terras ainda inexploradas quando, já cansado, apeia do cavalo, senta-se, encosta-se numa árvore e põe-se a contemplar o pôr do sol:

– Que boa vista, meu São José!

Assim, enquanto olhava deslumbrado a paisagem pitoresca, o cavaleiro arranca um pedacinho de mato, daqueles que crescem nos pastos, e começa a mastigar o inofensivo filete verde, até adormecer…

Algum tempo depois, o valente desbravador desperta do sono e começa a tatear o chão à sua volta. No lugar da grama que atapetava a terra, encontra blocos de pedra polida, os famosos e polêmicos paralelepípedos. Assustado, levanta-se e vê que a árvore na qual havia encostado era, na verdade, um poste de concreto.

– Mas onde estou? E onde está o meu cavalo?  

Para seu espanto, à sua esquerda, Pedro se depara com uma igreja, onde, minutos atrás, havia apenas uma mata nativa. Tudo era estranho demais! À sua frente, no lugar do horizonte deslumbrante, uma imponente construção bloqueava a vista das montanhas sul mineiras. Curioso, Pedro resolve chegar mais perto daquele gigante cheio de janelas, mas, ao tentar atravessar a avenida, quase é atropelado por um carro que cruzava em alta velocidade.

– Meu Deus! Mas que lugar é esse? Para onde vão esses autos com tanta pressa? E o meu cavalo, onde foi parar?

Diante da dificuldade de atravessar a avenida, o viajante resolve a caminhar pela calçada em direção à igreja e, assim que a rua se fez mais estreita, consegue, então, atravessar e chegar à frente da matriz. Imaginem a cena: um homem com roupas amareladas, rasgadas e de botas de montaria, não aria despercebido por muito tempo.

– Nossa! Como o senhor se parece com o homem da foto de um dos fundadores de Muzambinho! Diz um garoto que ava por ali.

– Muzambinho? Que nome estranho é esse! Garoto, por acaso não viste um cavalo arriado trotando por aí?

-Cavalo? Não, senhor! Responde o menino e saindo em disparada. 

Já no interior da igreja, nosso desbravador retira o chapéu, benze-se diante da imagem de São José, percorre todo o corredor, ajoelha-se em frente ao altar e fica um bom tempo, rezando! Depois, de volta às portas da Matriz, contempla a imagem da uma grande praça vista do alto das escadas.

Tudo aquilo era surreal demais para Pedro! Não bastassem as imagens “futuristas”, ou a escutar uma voz metálica vinda do alto, bem do alto, acompanhada de um barulho de motor. Seria um pássaro falante – digo – um avião com alto-falantes? (Pedro ainda não conhecia as novidades da propaganda)

– Devo estar delirando. Só pode ser isso! Dizia nosso sonhador.

– É a mais nova arma da propaganda! Alguém responde.

– Uma arma? Então estamos em guerra? Pergunta o forasteiro.

– Uma guerra tecnológica. Responde o homem ainda desconhecido.

– Guerra o quê? Questiona Pedro.

– Deixa isso para lá! Mas vejo que o senhor não é daqui. Certo? Pergunta o homem à sua frente.

– Não. Sou do Arraial de Nossa Senhora da Assumpção de Cabo Verde. Conheces? Pergunta Pedro.

– Cabo Verde eu até conheço! Responde o homem com desconfiança.

– Qual a vossa graça? Pergunta Pedro.

– Minha graça? Ah, sim, é claro! Muito prazer! Meu nome é Rovilson. responde estendendo a mão em cumprimento.

– Muito prazer, Rovilson! Meu nome é Pedro. O senhor é o padre dessa igreja? Pergunta Pedro.

– Padre, eu? Não, não. Apenas trabalho aqui, na paróquia, há muitos anos. Explica Rovilson.

Em frente à igreja, muita gente se aglomerava para ver o tal homem misterioso. Sem entender o que estava acontecendo, Pedro apenas assistia à movimentação das pessoas à sua frente. Assustado, desce a escadaria e corre pela lateral da igreja, rumo à Baixada. Ao descer a Avenida Coronel José Martins, tromba-se com Fernando Magalhães, primo distante do nosso personagem, que caminhava pela calçada.

– Desculpe-me, senhor! Diz Pedro.

– Não foi nada. Responde, Fernando, sem entender o acontecido. 

Em pouco tempo, toda cidade já sabia da presença de um certo forasteiro. Nas redes sociais, por exemplo, não se falava de outra coisa. À boca miúda, muitos diziam se tratar de um fazendeiro enlouquecido, devido à forte queda do preço do café. Nas praças, em todas as rodas de amigos, o assunto era o mesmo: o homem misterioso que apareceu nas proximidades da igreja matriz. 

Por todos os lugares onde ava, Pedro, nosso viajante do tempo, chamava a atenção. Sua aparência estranha, suas roupas, seu rosto caricato, dividiam opiniões. Uns, diziam ser um simples andarilho; outros, mais entusiasmados, falavam que o homem era, na verdade, um ator da trupe de Fábio Anderson, e que o grupo teatral preparava uma nova peça, baseado na história da cidade; outros ainda, mais desconfiados, falavam que seria um estelionatário, que se preparava para aplicar golpes nos mais distraídos. 

Sem tomar conhecimento dos comentários e das suspeitas, Pedro, já cansado e amedrontado, continuava a caminhar por toda cidade. Por onde ava, falava sempre a mesma coisa: – Por gentileza, vistes, por acaso, um cavalo arriado perdido por estas bandas? (O fato é que, se o cavalo existisse, alguém o teria roubado. Em época que se rouba carros trancados, o que não fariam com cavalos arriados, trotando sem dono, pela cidade?!) 

Já exaurido da empreitada, Pedro, nosso cavaleiro do cavalo perdido, já do outro lado da cidade, procurava um lugar para descansar. Eis que encontra uma praça com diversas árvores – muitas delas centenárias -, flores, pombos e pequenos macacos. E, para sua surpresa, uma placa indicativa: Praça Pedro de Alcântara Magalhães.

– Isto não pode ser real! Uma praça com meu nome?! Como pode? Então estou morto? Perguntava-se o tal Pedro. 

Enfim, o dia já tinha sido exaustivo demais. A fome, a dor nos pés, mais a preocupação com o sumiço do seu cavalo, foram debilitando nosso famoso personagem. E, já sem forças, Pedro desfalece e cai à beira da calçada. 

 

O sol da manhã castigava o rosto do nosso viajante. Pedro desperta do seu sono. À sua volta, depara-se com uma mata preservada, repleta de árvores centenárias. À sua frente, o mesmo horizonte deslumbrante de outrora.

– Estou de volta, enfim! Obrigado, meu Deus! Obrigado, meu São José! Nestas terras, construirei um povoado, e vou chamá-lo de São José da Boa vista de Cabo Verde! Promete o saudoso Pedro de Alcântara Magalhães. 

E, por volta do ano de 1852, com terras doadas por Maria Benedita Vieira, Ingracia Destarte, José Braga e João Vieira, nascia o povoado prometido e que, anos mais tarde, já na condição de vila, aria a ser cidade, e que, em 30 de novembro de 1880, receberia o nome, inicialmente, de Mozambinho.

 

Luciano Marques

Muzambinho/MG

 

 

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